quarta-feira, 27 de abril de 2011

Mito 8 : “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”

Esse mito como o primeiro são aparentados porque ambos tocam em sérias questões sociais. A transformação da sociedade como um todo está em jogo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover a “ascensão” social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica pelo menos de uma boa intenção paternalista e ingênua.

Mito 7 : É preciso saber gramática para escrever e falar bem

A língua é um fenômeno dinâmico, muda com o tempo e com as transformações na sociedade; a gramática, porém, não se renova e envelhece. Ela representa apenas regras; a língua é mais que isso, é a forma de expressão de um povo, de uma sociedade. A existência das gramáticas, que tem como finalidade primeira a descrição do funcionamento da língua, fatalmente se tornaram, no decorrer do tempo, instrumentos ideológicos de poder e controle social. "É preciso saber gramática para falar e escrever bem", se a afirmação fosse verdadeira, todos os gramáticos seriam excelentes escritores, e vice-versa. Porém, isso não acontece. É o caso de Drummond, um grande escritor que no poema "Aula de português" dá testemunho de sua pertubação diante da gramática. Outro caso é o de Platão que escreveu seus fascinantes diálogos e que não consultou nenhuma gramática. Na época de sua criação, a gramática tinha a função de registrar e descrever as manifestações lingüísticas livres usadas pelos autores admirados da época, como Platão e Ésquilo. Como a gramática se tornou um instrumento ideológico de poder e controle social surgiu essa concepção de que os falantes e escritores da língua precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de fonte da qual emana a língua bonita, correta e pura. A língua então passa a ser subordinada da gramática . O que não está na gramática "não é português". Escrever bem é conseguir passar bem as sensações ou informações que você quer passar e nem sempre quem não comete erros de ortografia é um bom escritor.

Mito 6: "O certo é falar assim porque se escreve assim"

 O que acontece é que em toda língua do mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico. A ortografia oficial é necessária, mas não se pode ensiná-la tentando criar uma língua falada "artificial" e reprovando como "erradas" as pronúncias que são resultado natual das forças internas que governam o idiomas.

Mito 5 : O lugar onde melhor se fala português é o Maranhão

Com o aumento da demanda internacional por algodão para atender a indústria têxtil inglesa e à redução da produção norte americana por causa da Guerra de Independência nos Estados Unidos, formou-se um cenário ideal para a produção algodoeira no Maranhão no século XVIII. Nesse período considerado a fase de ouro da economia maranhense, São Luís passou a viver uma efervescência cultural. A cidade, que se relacionava mais com as cidades européias do que com outras cidades brasileiras, foi a primeira a receber uma companhia italiana de ópera. Possuía calçamento e iluminação como poucas do país. As últimas novidades da literatura francesa eram recebidas semanalmente. É nessa fase que São Luís passa a ser conhecida por "Atenas Brasileira". A denominação decorre do número de escritores locais que exerceram papel importante nos movimentos literários brasileiros a partir do romantismo. Surgiu, assim, a imagem do Maranhão como o estado que fala o melhor português do país. A primeira gramática do Brasil foi escrita e editada na cidade por Sotero dos Reis . Mesmo nos dias atuais a cidade ainda tem uma grande vocação natural para a literatura e poesia. O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português do Brasil e o de Portugal: não existe variedade mais pura, correta, mais bonita. Toda variedade lingüística é resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares. Se o português de São Luis no Maranhão conservou o pronome "tu" é porque nessa região aconteceu forte imigração de açorianos, cujo dialeto específico influenciou na variedade dessa região.

Mito 4 : As pessoas sem instrução falam tudo errado

Com o preconceito linguístico à solta, a única língua legítima se torna aquela das gramáticas, dos dicionários e das escolas. As outras são considerados linguajares feios e toscos.Qualquer forma de fala diferente do triângulo escola-gramática-dicionário é considerada do ponto de vista do preconceito lingüístico errado.
Acontece que na etmologia das palavras existiram diversas situações em que houve a substituição do R pelo L, e vice-versa. Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem "cráudia, chicrete e pranta" têm algum defeito ou atraso mental seríamos forçados a admitir que que toda a população da província da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luiz de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu em sua obra pranta, frauta, ingres na obra que é considerada até hoje o maior monumentário literário do português clássico. O fato é que o preconceito se apóia na falta de instrução escolar das pessoas para inferiorizá-las e ridicularizá-las. É em contrapartida um preconceito social, que discrimina os que "sabem" dos que "não sabem" dividindo a sociedade em camadas de "castas" muito bem definidas e de acordos com os propósitos dos privilegiados. Na televisão o que se vê são imitações das falas do nordeste que têm o propósito claro de "mangar" das pessoas desta região. É uma forma de exclusão social, é claro, mais sutil. Ninguém ri das falas das outras regiões. Esse é um indício de que as críticas não são de fato contra a fala, e sim, contra quem está falando.

Mito 3: "Português é muito difícil”

O que acontece, é que a nossa gramática, como já foi falado, se baseia na gramática vigente em Portugal, que apresenta uma língua falada muito diferente da nossa. Assim, o português tal qual estamos acostumados a aprender, o da gramática, pouco uso tem em nossa vida cotidiana. Como diz o autor, nossa concepção de aprender português é “decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós”.
Fala-se que o português é difícil porque esta disciplina estuda uma língua que não corresponde à língua viva que falamos, cujas regras não são mais utilizadas por quase ninguém e ainda por cima só são totalmente dominadas por alguns, o que contribui para a visão de que “saber português” é algo distante e para poucos. Um bom exemplo citado por Bagno é o caso da regência verbal no verbo assistir. O aluno pode ser forçado a escrever inúmeras vezes a frase “Assisti ao filme” dentro da sala de aula, mas na primeira oportunidade fora dela, usará a forma “Assisti o filme”. Isso porque a gramática usada por nós, uma gramática “intuitiva”, própria do nosso português, não encontra mais a necessidade da forma regencial com a preposição a. A gramática escolar, entretanto, não leva em conta – como bem diz Bagno – o uso brasileiro do português.
– Essa afirmação consiste na obrigação de termos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. No dia em que nossa língua se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil, é bem provável que ninguém continue a repetir essa bobagens. Todo falante nativo de um língua sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela. A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar passará para a forma transitiva direta: “ainda não assisti o filme do Zorro!”
Tudo isso por causa da cobrança indevida, por parte do ensino tradicional, de uma norma gramatical que não corresponde à realidade da língua falada no Brasil.

Mito 2 : “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português”

De acordo com o autor, essas duas opiniões refletem o complexo de inferioridade advindo do Brasil colônia. O brasileiro sabe português sim. O que acontece é que o nosso português é diferente do português falado em Portugal. A língua falada no Brasil , do ponto de vista lingüístico já tem regras de funcionamento, que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal. Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português falado Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível uma compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças. Concluí-se que nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais bonito ou mais feio: são apenas diferentes um do outro e atendem às necessidades lingüísticas das comunidades que os usam, necessidades lingüísticas que também são diferentes.
- É comum ouvirmos que o português está sendo “assassinado” ou corrompido pela população que não domina a norma expressa pela gramática normativa. Isso é o mesmo que dizer que os brasileiros somente têm o direito de usar o português falado em Portugal, sem nenhuma variação que expresse sua cultura ou status social. Também se escuta que a língua será destruída pela invasão de termos estrangeiros, duramente condenados pelos gramáticos conservadores. Esta previsão é feita há mais de um século e até hoje não se tornou verdade. A incorporação de termos estrangeiros é inevitável, pois nosso país se encontra sob uma inegável dominação econômica e cultural, e de nada adiantaria tentar se resolver o “estrangeirismo” sem primeiro pensarmos na fonte do “problema”.
Para resolver os mitos aqui mostrados, é preciso que nos conscientizemos da diferença entre o português falado aqui e em Portugal, que é grande a ponto de os lingüistas preferirem chamar nossa língua de “português brasileiro”. Bagno a exemplifica com a questão dos pronomes “o/ a”: em Portugal, é comum falar-se “Eu o vi” ou “Eu a conheço”; aqui, entretanto, é raro escutarmos esta construção em uma conversa comum; mesmo quando o falante domina a norma culta, prefere dizer “Eu vi ele” ou “Eu conheço ela”, que é forma usual em nosso país. Trata-se de uma mudança na língua falada brasileira, que cada dia é mais diferente da falada em Portugal. A gramática normativa, entretanto, desconhece ou finge desconhecer essa mudança, essa transformação pela qual nossa língua passa à medida que vai se tornando “mais brasileira”, e não se atualiza, continua se baseando na gramática de Portugal, ajudando assim a se manter essa crença de que o certo é falar-se como os portugueses o fazem.